É Natal. O papel vistoso dos pacotes promete. Dois meninos, cada um ganha o seu presente: uma caixa contendo um punhado de estrume de cavalo. E nada mais. Um chora fundo sua frustração. O outro, radiante, logo pergunta: “Cadê o cavalo?”
Essa história me acompanhou desde menina até a vida adulta. Eu pouco compreendia quando meu pai falava: “Lá vem o cadê o cavalo”. No decorrer dos anos, o significado ficou claro em toda sua extensão e na prática - perdi as contas das centenas de vezes que me traí por conta do meu otimismo.
Entre uma visão positiva ou negativa da vida, muitos diriam que a mais segura é a realista. Que seja. Mesmo porque a realidade - salvo quando a vida nos dá rasteiras bandidas - é uma percepção construída a partir de nossos conflitos, expectativas e condicionamentos. Feito, então. Podemos ser realistas, abertos e sensíveis aos dois lados, ou realistas destinados a enxergar somente a face sombria de tudo.
Criamos nossas narrativas pessoais sob o comando desse olhar.
Eu sei e você sabe que extrair algo de bom em tudo, incluindo as derrapadas, os desgostos e as pedreiras não é bem assim.
Não nasci Pollyanna. Aliás, talvez até tenha nascido. Amadurecer, no entanto, faz disso com a gente - virei uma pollyanna senior, nem tão leve e um tanto mais seletiva. Ainda assim, pollyanna. Disposta a cavar o lado bom nisso ou naquilo, nos inesperados que nos perseguem, ou no trivial (e essencial) da existência. Apenas mais protegida pelo que já aprendi.
Aprendi que o ânimo de acolher o que cai pra nós ajuda-nos a encontrar ângulos mais suaves para viver. Isso mesmo, viver enquanto estamos aqui. Mas não nos salva. Manter algo em perspectiva, isso sim, nos salva.
Somos fortes, ou como expressa uma das palavras que ganharam voz e notoriedade, somos resilientes. Encaramos a dor e o desassossego, a saudade e o medo. Encaramos a incerteza até a exaustão. Morremos, contudo, na ausência de perspectiva.
O otimismo é só um traço de caráter. Perspectiva é o olhar que nunca se entrega.
Até.
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