Edith estava com os pais e com uma de suas duas irmãs no vagão de trem que os levava ao campo de concentração de Auschwitz, quando ouviu de sua mãe: “Ninguém pode tirar de você o que você põe na sua própria mente.” Uma sentença de vida para a menina de 16 anos que naquele mesmo dia perderia seus pais para as câmaras de gás.
Bailarina profissional até cair prisioneira, ela foi forçada a dançar para Josef Mengele (o Anjo da Morte), quando fez seu primeiro movimento de não rendição: “Fechei os olhos e me imaginei no palco da Ópera de Budapeste, dançando Romeu e Julieta, de Tchaikovsky.”
Das absurdas feridas físicas e emocionais, restou uma sobrevivente. Edith sobreviveu a um dos mais repugnantes crimes contra a humanidade que a história tem registro. Sobreviveu ao nazismo, mas, sobretudo, à vida.
No livro - A bailarina de Auschwitz -, Edith Eva Eger nos convida a cruzar a distância colossal que há entre um ser humano vitimizado (que tem a vida subtraída) por guerras, catástrofes, doenças, atrocidades e afins, daquele que se vitimiza, para sempre prisioneiro de suas dores, traumas e amarguras.
Sobreviver (fisicamente) foi só o começo. Na busca por reaver a liberdade, ela firma um pacto de amor, respeito e aceitação com o passado, com seus sentimentos e perdas - um pacto de resistência. E recupera o único acesso possível à convivência digna e próspera que veio a estabelecer com a vida e com os seus. Chamando para a si e somente para si a responsabilidade por (sobre)viver, presta um tributo às vítimas do Holocausto.
As reflexões a que nos convida não poderiam ser mais atuais e sincronizadas com o que estamos passando - “O que acontece conosco na vida não é o mais importante no final das contas. Em vez disso, o mais importante é o que fazemos com nossas vidas.”
A agonia, o estresse, o medo e o esgotamento se alastram como uma segunda contaminação dentro da pandemia. Choramos nossas perdas. E choramos as incontáveis adversidades que se impõem, e de forma tão desigual. Lamentamos os planos frustrados ou por não termos noção de quais planos fazer. Reivindicamos o reencontro, os amigos, o abraço. Reivindicamos a paz. É natural. É difícil viver no limite da incerteza.
Em entrevista recente, e com uma pegada ainda marota, ligeira e bem humorada, Edith, hoje bisavó e com 93 anos, provoca: “Morrer é mais fácil que viver.”
O número de vítimas que a pandemia já alcançou (pelo vírus ou pela fome) fecha uma conta amarga. Podemos (os que têm alimento e teto) nos entregar às nossas carências, receios e dores. Ou, prestar um justo tributo aos que não estão mais aqui.
Até.
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