Eu, você e aproximadamente oito bilhões de seres já fomos expostos - à exaustão - aos dogmas de uma vida possível: reconhecer, aceitar e enfrentar nossas limitações, medos, dores e frustrações como forma de seguir adiante. Moleza?
Vale acompanhar (no conforto do sofá de casa, por favor) a jornada de Cheryl Strayed, narrada em Livre, que tem a atriz Reese Whiterspoon no papel de Cheryl. Aos 22 anos ela perde a mãe, a única pessoa com quem mantinha um vínculo forte. A família se desintegra, a ruína financeira se instala e o casamento de Cheryl chega ao fim. Dali aos 26, ela afunda em um lodo de heroína e dor até desenterrar o que lhe restava de energia e dignidade. Pela Pacific Crest Trail (trilha de 1770 km que atravessa a costa oeste dos Estados Unidos), Cheryl inicia a sua cruzada pela sobrevida.
O filme narra a história da transformação pelo enfrentamento. Privação, isolamento e ameaças reais e constantes testam a integridade física, mental e emocional de qualquer pessoa. É encarar ou morrer. Cheryl confronta seus inimigos externos. E compreende, sem muito custo, que os internos são os mais resistentes. Cheryl persiste. Estende a mão às suas próprias imperfeições. E conclui a caminhada que irá sepultar boa parte das suas dores, medos e frustrações.
Achei lindo aquilo. Por muito menos, já colecionei bengalas e culpados. Me insurgi contra os hormônios e as estrelas. E maldisse o infeliz que fez meu mapa astral num dia de lua. Aí, fico cara a cara com uma obstinada louca que percorre um mil setecentos e setenta quilômetros sangrando mazelas, alma e pés. E encontra a redenção! Ufa. E só para me complicar ainda mais, o filme é uma obra cine-biográfica.
Bom, não tenho nem a disposição nem as botas adequadas para uma empreitada como essa. E não sei se faz tanta diferença assim se lançar por trilhas inóspitas até arderem nossas bolhas existenciais. Ou, se esconder no trabalho, nos amigos, na família, na esperança e até em escolhas menos acolhedoras. Ou seguras (melhor não, viu?).
Eu, você e aproximadamente oito bilhões de seres já tivemos o nosso dia de fugir e o de enfrentar. E isso também nos confirma como humanos, certo? Desumana é essa nossa estranha incapacidade de reconhecer as Cheryls que andam silenciosas, invisíveis e valentes ao nosso lado todo o santo dia. E se forem fragmentos de nós mesmos, já pensou nisso?
Não sei quanto a você. Mas entre cruzar a Pacific Crest Trail, ando pensando em ir pelo caminho - não menos inóspito - de estender a mão às minhas imperfeições. Moleza? Não sei. Mas que ardam as malditas bolhas - acho que a chance de cura pode ser bem boa.
Até.
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