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Bem na foto

Atualizado: 23 de ago. de 2019


Depende muito do ponto de vista. Ou só do ponto de vista, eu acho. Tenho pensado seriamente que milagres existem. Sinto alguns desabando em cima de mim, caídos assim do nada e do céu, direto - bum! - sobre a minha cabeça. Mas deixa aqui entre nós, tá bem? É que o mundo anda meio atordoado. Enredado, não acha? Ficou complicado encontrar o sossego urgente, aquele que nos ajuda a enxergar através das nossas modestas frestas.


Mais um dia apertado de trabalho e de missões cotidianas. Me puxei para driblar meu déficit e dar conta do recado. Às 17 horas daquela quarta tínhamos um encontro. Nosso filho, Pedro, de 20 anos, tinha nos convidado - eu e meu marido - para um happy em um café que ele curte muito e costuma ir.


Conversa afiada - formamos um trio de inquietudes - e um lanche com suco antecederam o champanhe que ele pediu para servirem na sequência. Alguns minutos doces e cítricos, divinos para turbinar os sentidos.


Próximo da nossa mesa, um grupo de amigas começava a ser formar. Chegavam aos poucos e, pelo papo - quanto mais baixo ficava o Clericot, mais alto era o tom -, era possível perceber que tinham vencido os 50. Chamaram o garçom para registrar o momento. Em pé e numa algazarra adolescente, retocavam o batom, puxavam a blusa mais pra cá, o vestido mais pra lá e formavam a composição quando uma - investida de autoridade - silenciou o ambiente: “Moço, a gente não quer uma foto. A gente quer um milagre”.


Sorrimos da tirada espirituosa.


Elas tinham retocado a face de um dia de trabalho para se divertir em um reencontro e, de quebra, gozavam das marcas do tempo. Não sei no que deu, mas a cena captada ali retratava a síntese do “ficar bem na foto”, não tenho dúvida. Acontece sempre que nos enxergamos em um instante de contentamento e completude. Mais ou menos como estar num café num dia qualquer por sugestão e convite de um filho. Porque o final de tarde ali é perfeito. Porque é um lugar que ele curte muito. Porque é o lugar onde ele costuma ir. Porque o lugar e as coisas do lugar lhe dão prazer. E porque era isso o que ele queria - o prazer de compartilhar. Milagres só podem ser estes instantes de sossego urgente que a vida capta num clique. Lindos e ligeiros minutos que o tempo não nos leva jamais.


Se um dia o acaso me colocar diante daquela turma que pedia um milagre, não posso esquecer de cutucar: “E aí, gurias? Aposto um Clericot que vocês arrasaram na foto.”


Até.

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